Deus e as coisas que são de Deus são em tudo melhor.
Platão
Muitas são as discussões acerca da ligação entre cristianismo e a Filosofia, ou seja do cristianismo filosófico.
Para alguns especialistas o cristianismo é uma Filosofia, enquanto outros defendem a ideia contrária, afirmando que o cristianismo não é uma Filosofia.
Sabe-se que a Filosofia baseia-se na razão e o cristianismo origina-se na palavra de Deus e ensinamentos de Jesus, transcritos na Bíblia.
No cristianismo, ao morrer e ressuscitar, Jesus Cristo tornou-se redentor dos seres humanos. Na Filosofia, contudo, existe uma relação em vida entre mestre e discípulo.
Por outro lado, o cristianismo não tem a pretensão de ser uma filosofia racional, o que está claro com a ideia da santíssima trindade (doutrina cristã que professa um único Deus, preconizado em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo).
Outra diferença é que, na Filosofia, busca-se a verdade através da razão; já o cristianismo está centrado na fé em Jesus Cristo, o que estabelece uma caráter histórico à religião.
Apesar de aparente separação entre a Filosofia e o cristianismo, alguns líderes religiosos baseiam-se nas teorias dos filósofos para elaborar suas próprias doutrinas religiosas. (tome por base alguns papas como Bento XVI - catedrático em Filosofia e mais de seiscentos artigos, dos quais a maioria acerca da Filosofia e da religião). São Tomás de Aquino, por exemplo, utilizava-se alguns conceitos elaborados em Aristóteles.
Isso acontecia porque, durante a Idade Média, a Filosofia grega foi muito importante para a Igreja, pois, por meio do estudo dos filósofos clássicos, os líderes religiosos conseguiram dominar e/ou destruir os descendentes na fé. Assim, a Igreja utilizou-se de meios racionais e lógicos, em seu favor, para, logo depois, fazê-los acreditar e aceitar a fé cristã.
O cristianismo apresenta sim uma dimensão reflexiva e teórica. Os dogmas da fé cristã, por exemplo, procuram explicar certos elementos de nosso estado humano.
Nesse sentido, o cristianismo não é uma Filosofia propriamente dita, nos moldes que a conhecemos, porém o pensador cristão deve tratá-lo com coerência racional, em função da Filosofia.
A Filosofia patrística (Filosofia cristã)
A Filosofia patrística predominou no período de decadência do Império Romano, durante o século III.
Essa é uma Filosofia cristã constituída pelo conjunto de pensamentos do clero da Igreja católica desse período, ou seja, consiste em uma visão racional dos princípios religiosos do catolicismo, na formalização doutrinal das verdades da fé do cristianismo contra as visões contrárias à fé católica, às quais eles chamavam de heresias.
As ideias veiculadas na Filosofia patrística procurava explicar a relação existente entre a fé e a razão, a natureza do divino, a importância da moral na vida humana. Nesse conjunto, os autores também davam extrema importância à alma.
Para o clero que representava a patrística, era de suma importância que o povo conseguisse controlar a paixão com racionalidade, além de ser imprescindível ter uma ética rigorosa.
A Filosofia patrística inspirou-se na grega, afirmando ser a expressão terminada da verdade, não obtida pelos filósofos gregos que a buscavam. Para esses pensadores religiosos, a verdade não havia sido respondida pelos gregos porque Deus ainda não havia se manifestado, e para a patrística, Deus é a única e soberana VERDADE.
O notório representante da Filosofia patrística: Santo Agostinho
Entre os principais e mais conhecidos representantes dessa Filosofia estão: Clemente de Alexandria (aproximadamente 150 a 215), Orígenes e (aproximadamente 185 a 253) Tertuliano (aproximadamente 155 a 222). Contudo, seu representante mais notório é Aureliano Agostinho (354 a 430), mais conhecido como Santo Agostinho.
Filho de Patrício, Agostinho foi criado em uma atmosfera extremamente fervorosa nos moldes da fé cristã.
Na juventude, quando esteve em Cartago para se aprofundar nos estudos, Agostinho viveu de forma bastante desgarrada, sem se importar com os princípios proclamados pelo cristianismo e caindo em profunda sensualidade e luxuria.
Bastante inteligente e com uma excelente oratória, após terminar os estudos abriu uma escola em Cartago e passou a lecionar retórica. Posteriormente, lecionou em Roma e, em 384 em Milão, abandonando a carreira dois anos mais tarde, em 386 por motivos de saúde e mais tarde por questões religiosas e espirituais.
Agostinho, ainda na juventude, foi fortemente influenciado pelo maniqueísmo, corrente filosófica-cristã cujo fundamento é a dualidade: bem e mal, claro e escuro, etc. Os maniqueístas acreditavam que sua Filosofia era o verdadeiro cristianismo.
Mais tarde, já maduro e realizando um exame crítico de si mesmo, Agostinho teve contato com a Filosofia neoplatônica, abraçando-a e abandonando o maniqueísmo.
O neoplatonismo é uma corrente filosófica que promoveu uma releitura do pensamento de Platão. A essência dessa filosofia era, contudo, uma visão cristã romana.
Os neoplatonistas pretendiam fortalecer o cristianismo, identificando e associando o pensamento de Platão a essa religião, misturando razão e fé, pois, para eles, ter fé é antes de mais nada uma ato de razão.
Eles justificavam os dogmas católicos pela razão e divulgavam que era necessário primeiro conhecer para depois crer.
Ao ler as epístolas (cartas) do apóstolo Paulo na Bíblia, Agostinho acreditou ter recebido uma revelação divina, pois suas dúvidas desapareceram. Assim, influenciado pela mãe, pelo neoplatonismo e por essa revelação, ele abraça a fé cristã, batizando-se em 387.
Em seguida, Agostinho voltou para a África, onde se dedicou aos estudos e orações.
Agostinho foi ordenado sacerdote, e, em 395, sagrado bispo,na cidade de Hipona, na África, onde teve grande atuação episcopal. Em 397, escreveu a obra Confissões e, em 426, terminou de elaborar outra, a conhecida Cidade de Deus.
Agostinho faleceu em Hipona no ano de 430. Ele é considerado o maior representante da Filosofia patrística; e sua obra é tida como extremamente relevante para o cristianismo, pois ele se posicionava contra as heresias e a culpa que os pagãos tentavam impor ao cristianismo pela invasão de Roma em 410.
Para Agostinho, o ser humano tem em sua essência uma inclinação para o mal, pois já nasceu como pecador, devido ao pecado original de Adão e Eva, narrado na Bíblia.
Tanto é a importância do pensamento filosófico cristão de Agostinho que o Papa Emérito Bento XVI, o 265º na atual hierarquia, - o qual considero o Papa mais intelectual da Igreja Católica - "bebe" em seus artigos e encíclicas do legado cristão de Agostinho. Afirmando que razão e fé são indissociáveis
Referencias Bibliográficas:
ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética. Rio de Janeiro: Ediouro, 1993.
AGOSTINHO, Santo. A cidade de Deus. São Paulo: Vozes, 2014.
BORNE, Étienne. O problema do mal: mito, razão e fé. São Paulo: É Realizações, 2014.
BENTO XVI. O último testamento. São Paulo: Planeta, 2017.
FRANCISCO, Papa. O Papa da simplicidade. Rio de Janeiro: Agir, 2017
KARNAl, Leandro. Pecar e perdoar: Deus e o homem na História. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2015.
REBINSKI, Marcelo. Paulo: o apóstolo da ironia: Suas cartas e a propagação do cristianismo. Revista de História. São Paulo: Unicamp, 2016.