A Sui Generidade e o Legado Histórico de Rocha Pombo a História do Paraná
Marcelo Rebinski
"Morretes é, pois, um torrão onde o natural é que se desenvolvam almas mais graves do que jucundas, antes anciosas do que satisfeitas, mas sem razão para serem apáticas, para não amarem a vida, nem mesmo para deixarem entreverem largos horizontes e até não ambicioonarem, quiçá, escalar as cumeadas". (VITOR, 1969, p. 58).
A citação de Nestor VITOR, importante crítico e intelectual dos séculos XIX e XX demonstra, já a princípio, a ênfase dos discursos produzidos no período, acerca das coisas pátrias, da natureza e do povo da terra. Não somente Vitor mas Valfrido Pilotto, Romário Martins, Dario Vellozo e Andrade Muricy, procuraram enaltecer de forma categórica, ufanista e metafórica as descrições históricas e geográficas do Paraná. Tal discurso ufanista, quase sempre elogioso e generoso transpassa as barreiras das descrições físicas. Pois é, neste período que se enaltece a aura do progresso, da modernização, das transformações políticas e sociais. É o período do surgimento de grandes produções culturais e literárias através da fomentação de núcleos intelectuais, geralmente caracterizados pelo florescimento de uma nova sociedade e visão de mundo, ainda que o país, na segunda metade do século XIX estivesse segregado no campo social à atitudes desprovidas de humanidade, nossos intelectuais produziram e fizeram do período das letras o auge da eloquência, da idealização humana e filosófica.
Foi, portanto, nesta ostentação glamoriosa da sociedade de se condesar os aspectos culturais em meio as transformações modernizantes da sociedade que José Francisco da Rocha Pombo surgiu. Nascido em 1857, na Morretes descrita acima por Nestor Vitor, Rocha Pombo susbstituíra seu pai Manoel Francisco Pombo no magistério em 1875. Autodidata, não se deixava tomar pelo desânimo. dedicava-se já a estudos e pesquisas de história ambicionando voos mais altos. Porém, foi a atuação jornalística que lhe rendeu os frutos da sobrevivência por quase toda a vida. Aos 22 anos, ainda em Morretes, fundou o primeiro hebdomadário de cunho republicano do Paraná. O Povo, de vida curta e efêmera, que surgiu como precurssor da campanha republicana e abolicionista. Foi através deste jornal que um artigo seu, de caráter libertário, atingiu repercussão internacional, sendo publicado posteriormente na Revista Escola do Rio de Janeiro e transcrito para a Del Plata de Buenos Aires.
Convidado por outros jovens que como ele pretendiam criar mais um núcleo intelectual no Brasil, tranferiu-se para Curitiba onde colaborou na Revista Galeria Ilustrada e, em 1881 publicou na forma de folhetim, no jornal A Pátria de Montevídéu, seu primeiro romance A Honra do Barão.
Dotado de um espírito multiforme e eclético, Rocha Pombo apresentaria, no delinear de sua vida intelectual, outras facetas do que o simples contentamento de um mero professor do interior do Paraná. Contista, romancista, poeta e ensaísta, era antes empreendedor. A empresa jornalística foi o viés para o desenvolvimento e apoio à sua atuação intelectual. Pois, por este intermédio publicaria em 1882 o segundo romance Dadá ou a Boa Filha e, em 1883 dois novos livros seus, mas noutro gênero, podendo ambos classificar-se como estudos. A Supremacia do Ideal e a Religião do Belo. Neste mesmo ano transferiu-se para Castro, onde casou e fundou o jornal Eco dos Campos, permanencendo até 1886, quando elegeu-se Deputado Provincial pela região dos Campos Gerais.
De volta a Capital da Província continuou a atuação como jornalista, dirigindo a Gazeta Paranaense e o Diário Popular. Como romancista publicou diversos outros contos e poemas, entre eles Petrucello, marco inicial de sua estética simbolista.
Em 1897, migrou-se de forma definitiva para o Rio de Janeiro, iniciando sua carreira como historiador, com a publicação de História da América em 1869, seguido de Paraná no Centenário, 1900; História de São Paulo, 1918; História do Rio Grande do Norte, 1922 e História do Paraná em 1930. Em 1905 publicou o primeiro volume da sua História do Brasil - de um total de dez - e o importante roamance No Hospício. Ainda, na Capital Federal, pouco antes des sua morte foi eleito à Academia Brasileira de Letras, na cadeira 39, cujo patrono é Varnhagern. Porém, com a saúde combalida assumiu-a de maneira informal, falecendo aos 76 anos em 26 de junho de 1933.
Os dados biográficos até então levantados vem à tona suscitar uma trajetória intelectual de relevância no cenário nacional. Moço pobre da pacata cidade litorânea de Morretes, Rocha Pombo ambicionava "quiça, escalar as cumeadas", pleitar novos horizontes que pudessem proporcionar-lhe um reconhecimento à altura de suas aptidões intelectuais, apesar da falta de formação acadêmica. Quando deixa o litoral do Paraná, após ver fracassado seu empreendimento jornalístico e de não mais suportar a difícil vida de um professor primário, busca na Capital o refúgio para então, colocar em prática suas pretensões políticas e intelectuais.
Na sua mudança para os Campos Gerais, Rocha Pombo não abandonou o jornalismo, pelo contrário, ali almejou, apesar dos percalços, continuar aquilo que em Morretes não pudera dar sequência: usar a imprensa para poder projetar seus planos e aspirações.
Em 1886, ano de grave crise econômica na Província do Paraná e de sua estreia como Deputado Provincial eleito pelo 2º Distrito, Rocha Pombo marcou uma desastrosa atuação junto ao Legislativo. Acusado de republicano platônico, o intelectual paranaense justificava junto a sociedade, os motivos que o levaram, ele republicano em 1879, a se eleger pelo Partido Conservador. Dizia que apesar de ser um "amigo da liberdade, tanto bom soldado da liberdade", não poderia deixar de contribuir para as reformas econômicas e sociais que o Império tão necessitava através de um projeto de reordenamento que se fazia necessário naquele momento e que apesar de estar nas fileiras representativas do conservadorismo imperial, continuava tão "propagandista da república" como sempre fora (QUELUZ, 1998, p. 19).
Na verdade, Rocha Pombo usando da influência que a imprensa lhe proporcionara enquanto redator e diretor do semanário Eco dos Campos - apesar do jornal mal e insatisfatoriamente pudesse lhe manter ou proporcionar-lhe uma vida confortável -, insurgiu deste aparelho para fazer, em Castro, uma escalada política.
Republicano convicto como sempre afirmara, o jovem deputado não dispensara os afagos e amizades com os grandes latifundiários e oligarcas da província. Amigo pessoal de Ildefonso Correa, o Barão do Cerro Azul, líder do Partido Conservador na época em que se elegeu, detinha um estreito relacionamento, especialmente por seu desempenho na direção do jornal Diário do Comércio de propriedade de Cerro Azul, visto que Rocha Pombo, após a morte do amigo, vitíma de uma emboscada política na Estrada de Ferro, homenageia-o com uma "necrológica e emocionada" biografia no conto Para a História, demonstrando assim, sua forte ligação com os industriais ervateiros e "seus intelectuais, partícipes do Partido Conservador" (QUELUZ, 1998, p. 31).
A curiosidade nesta relação ambígua e de choques ideológicos é que, apesar do Paraná apresentar no período um diagnóstico de crise e de anseios por reformas estruturais (como imigração, abertura de estradas, busca de capitais para as indústrias e principalmente a diversificação dal produção agrícola). Rocha Pombo, como deputado não contenta, a priori, nem liberais, representantes da indústria ervateira que pugnavam por um crescente implemento em suas atividades. Seus projetos na Assembléia não passavam da simples ouvida em plenário e da ridicularização por parte de ambos os grupos políticos. O único projeto aprovado, ainda que com excessões, tratava da criação da Exposição Industrial do Paraná que foi recebido com ironia. Há quem diga, que a mudança de Rocha Pombo ao Rio de Janeiro, onde iniciou a construção de sua "completa e invejada obra sobre a história do Brasil", esteve atrelada a uma resiganação pessoal com o tratamento dispensado pelos políticos paranaenses ao seu projeto de fundação de uma universidade ou escola de ensino superior em Curitiba, anterior a sua atuação legislativa e que, segundo declarações do próprio Rocha Pombo, teriam intervido junto ao Senado Federal para derrubar em plenário o projeto e empréstimo do dinheiro necessário à construção.
Deslocado politicamente, a alternativa para Rocha Pombo foi continuar a dedicar-se ao empreendimento intelectual, porém sem afastar sua participação no jornalismo paranaense.
Considerado pelo Professor Brasil Pinheiro Machado "um típico escritor preocupado com a cultura popular, intelectual e provinciana de sua época" (MACHADO, 1980, p. X). Rocha Pombo firmou-se e imortalizou-se com suas obras de caráter histórico e literário. Para Valfrido Pilotto, a trajetória de vida intelectual do "inestimável confrade morretense" (PILOTTO, 1953, p. 9), carrega uma gama surpreendente de determinismo e superação das dificuldades econômicas, que por inúmeras vezes, foram pano de fundo e empecilho para produzir um volume maior de obra tanto na historiografia como na literatura. Assim, em suscintas linhas, porém demasiadamente elogiáveis, Valfrido Pilotto nos conta a passagem de Rocha Pombo que no decorrer de sua vida intelectual ostentou simpatias e desafetos:
"enaltecendo de forma veemente a produção do conterrâneo com solidariedade e respeito diante da sofrível e penosa vida que (...) carregou no decorrer de sua trajetória", sendo espetacular seu arrojo, que em extrema pobreza decide-se devotar sua vida ao levantamento completo de nossa história" (PILOTTO, 1953, p. 7).
Sem dúvida, e longe de excessivas justificativas, a passagem de Rocha Pombo pela república das letras foi digna de um homem de seu tempo. As produções sobre a história do Brasil e os romances de feição simbolista lhe renderam a significativa celebrização.
Entretanto, a projeção nacional de Rocha Pombo no círculo intelectual e cultural somente aconteceria a partir de sua mudança ao Rio de Janeiro. Foi aí que, em 1899, publica a primeira obra de caráter historiográfico, um compêndio sobre a História da América, voltado ao ensino didático, e a obra que, mais tarde, lhe rendeu a imortalidade: História do Brasil em 10 volumes que dispendeu 12 anos de intenso trabalho e estudo. Para Nestor Vitor, tal obra supriu "a grande lacuna que a muito reclamava-se na historiografia brasileira" (VITOR, 1969, p.3). José Maria Belo, referia-se à produção cultural de Rocha Pombo da seguinte maneira: "a história entre ensaístas vários e de méritos diversos apresenta na geração que surgiu depois do romantismo, os três nomes principais dos senhores Rocha Pombo, Capistrano de Abreu e Oliveira Viana". Para Gustavo Barroso, ocupante da cadeira de Rocha Pombo na Academia Brasileira de Letras, a obra História do Brasil é um "conjunto, um monumento que honra a nossa culltura, um empreendimento vultuoso e difícil" (PILOTTO, 1953, p. 41).
Porém, a grande crítica a História do Brasil de Rocha Pombo provinha de Capistrano de Abreu que se centrava na acusação de ser tal obra "apenas uma compilação de outros estudos cientificamente falhos que nada continha de pesquisas, pois que Rocha Pombo nunca se dedicou à pesquisa, nem nunca tinha lidado com fontes, arquivos e documentos, e que seus conhecimentos eram de segunda mão". Dizia que no estado em que se encontravam os conhecimentos históricos nós não precisavamos de história do Brasil, precisavamos é de documentos. (MACHADO, 1980, p. XVI).
Sendo intensamente criticada pela falta de análise, a evidência das dificuldades que cercavam a pesquisa eram visíveis. Os recursos financeiros disponibilizados para a conclusão do trabalho sempre foram escassos e a complicação financeira para a manutenção do empreendimento, e da própria sobrevivência pessoal, um enorme agravante. Tanto que na Capital Federal, Rocha Pombo tentou voltar à vida de jornal, recorrendo pelo intermédio de duas correspondências para Rui Brarbosa, então dono de uma grande diário de circulação nacional, porém sem resposta.
Independente das agressivas críticas de Capistrano de Abreu, e das dificuldades econômicas, a produção cultural de Rocha Pombo manifesta-se de forma contundente. Na literatura participa do movimento simbolista colaborando nas revistas O Sapo, O Cenáculo e outras. Escreve então, o romance No Hospício, "singularíssimo que sofreu por ter aparecido numa época de predomínio materialista e naturalista, que não obstrara, entretanto, o sucesso anterior de Canaã, de Graça Aranha, de feitio predominante simbolista, e que anunciava o misticismo exasperado de malasarte" (VITOR, 1969, p. 77).
Foi ainda no Paraná, que o impulso literário do nobre intelectual sinalizava-se no movimento simbolista, de características essencialmente idealista e de uma influência ampla e muito mais fecunda do que em qualquer outro centro intelectual do país. Os grandes nomes da vida literária trouxeram ao simbolismo uma contribuição de rara substância espiritual, de inegável originalidade e brilhante irradiação. Para Gilson QUELUZ, o simbolismo teve papel central por um período prolongado no Paraná, "contando com um número significativo de períodicos (...) e figuras expressivas como Nestor Vitor, Dario Vellozo, Emiliano Perneta, Silveira Neto e Rocha Pombo..." (QUELUZ, 1998, p. 79), que viveram com frêmito próprio e diferente "os seus sonhos de arte, na atmosfera purificada por um movimento de busca idealisadora" (CARDIM, 1958, p. 14).
Artigo dedicado as palavras de Victor ALBJERG
A História sem a a biografia seria algo como um repouso sem relaxamento, uma comida sem gosto, quase como uma história de amor sem amor.