Por Marcelo Rebinski
A expressão "fim da História" se refere a uma proposição teórica da filosofia política, segundo a qual a humanidade já teria atingindo a apoteose de seu desenvolvimento econômico e social. Para comprender essa filosofia audaciosa, é importante separar a ideia de fim dos tempos, ou de profecias apocalípticas do fim do mundo, comuns em muita doutrinas religiosas ou cultos quase religiosos.
Em 1989, o teórico e comentador político Francis Fukuyama publicou um ensaio controverso intitulado "O Fim da História?" Na seção de assuntos internacionais da revista The National Interest. Fundamental na tese de Fukuyama (desenvolvida a partir de seu livro de 1992, O Fim da História e o Último Homem) é a visão de que a própria história não é uma linha do tempo de acontecimentos conectados ou não conectados, mas um processo evolutivo. O final da década de 1980 viu o colapso dos regimes comunistas nos países que faziam parte da Cortina de Ferro na Europa Oriental, culminando na queda do Muro de Berlim em novembro de 1989. Isso anunciou o fim da Guerra Fria e as décadas de trégua nuclear entre Ocidente e Oriente. Para Fukuyama, a experiência comunista, que segundo Marx substituiria de maneira natural e necessária o capitalismo, falhara, deixando a democracia liberal do Ocidente como uma ideologia política e social dominante que forma a base para a manutenção das sociedades civis. Fukuyama alega que, desde a Revolução Francesa (1789 - 1799), a história moderna tem se caracterizado pelo desenvolvimento de ideologias conflitantes quanto à organização da sociedade, culminando na formação das democracias capitalistas Ocidentais. Isso não quer dizer que a história tenha parado e que não haverá mais acontecimentos, mas que não haverá mais nada de novo em ideologia política.
A teoria de Fukuyama acendeu um debate furioso entre os estudiosos. Para muitos pensadores de inclinação esquerdista, como o filósofo francês Jacques Derrida (1930 - 2004), o ensaio de Fukuyama não passa do triunfalismo de um canto fúnebre neoconservador para desacreditar o marxismo e reinvindicar superioridade ideológica para o capitalismo de livre mercado. A fim de contestar a teoria de Fukuyama, Derrida ressalta a desigualdade óbvia dominante no mundo e o fato de que isso pode ser visto como um subproduto concominante do capitalismo: "porque é preciso gritar, no momento em que alguns ousam neoevangelizar em nome de uma democracia liberal finalmente consumada como o ideal da História humana, é necessário dizer bem alto: nunca a violência, a desigualdade, a exclusão, a fome e, portanto, a opressão econômica afetaram tantos seres humanos na história da terra e da humanidade". Jacques Derrida, Espectros de Marx (1983).
Fukuyama usou a queda do Bloco Oriental e a rápida mudança de economia centralizada e estados unipartidários para estados democráticos de livre mercado com evidência empírica de que os sistemas democráticos liberais tinham vencido à guerra ideológica contra o marxismo, que havia florescido e predominado em muitos lugares logo após o período do pós-guerra. O fato de o racismo, a pobreza e a desigualdade social continuarem a existir nessas "utopias" liberais era uma infelicidade, mas não restavam novas ideologias políticas ou movimentos revolucionários organizados capazes de combater a ideologia dominante. Ou seja, a democracia ainda é a melhor forma de governo, pois como disse Winston Churchill em 1947 num discurso na Câmara dos Comuns: "a democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos".
Será essa cessação de ideologias sociopolíticas realmente verdadeira? A ascenção ao poder econômico e militar de estados unipartidários como a China, a Coreia do Norte e, em certa medida, a Rússia de Vladimir Putin parece sugerir que o comunismo está longe de estar morto como sistema social e político. O Movimento Quinta República, do antigo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, demonstrou que o apoio popular ainda podia ser usado em nome do socialismo tradicional. É interessante lembrar que Chávez atacou diretamamente o fim da História de Fukuyama durante um pronunciamento na Assembleia das Nações Unidas em 2006. Fukuyama reagiu argumentando que o superestado socialista de Chávez só seria possível se fosse custeado pelas reservas de petróleo venezuelano descobertas na época em que Chávez adquiriu destaque político, estado assim, no fim das contas, incluído na ideologia capitalista.
A tese do fim da História de Fukuyama também foi contestada depois dos ataques aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001. O avanço do fundamentalismo islâmico com seu claro antagonismo pelas democracias liberais do Ocidente é um exemplo claro de dissidência clamorosa e organizada. A crise financeira de 2008 deu origem também ao movimento Occupy Wall Street, com seus protestos em centros financeiros de Londres e Nova York. As demonstrações antiausteridade em partes da Europa, embora fragmentadas, mostram que Fukuyama pode ter sido um pouco apressado ao dizer que a história acabou e que não haverá mais de novo na evolução da ideologia humana social, política e econômica da espécie humana.
Fukuyama errou: a história estará sempre viva enquanto houver um grupo humano sobre a face da terra, haverá antagonismos ideológicos de ordem política, social e econômica. A Historia é ad aeternum.
Referência Bibliográfica:
As grandes questões existenciais da humanidade. Alain Stephen; tradução Carlos Augusto Leuba Salum, Ana Lúcia da Rocha Franco - São Paulo: Cultrix, 2017.